Trapézio, por Anderson Teixeira

         É assustador saber que o mesmo céu azulado que vejo todos os dias com um sol brilhante, outras pessoas o olham temerosas, pois sabem que dele  pode chover bombas e pintar o ar de fumaça. Ás vezes fazemos tempestade em copo d´água a ponto de acreditar que o mundo irá acabar-se em segundos para então descobrir que ainda estamos vivos e nada explodiu, mas em algum lugar algo realmente veio pelos ares e esgotaram as vidas de muitos.

         Somos feitos de sonhos, e isso é belo, acreditamos que cruzaremos em uma rua qualquer com um grande amor, outros almejam um dia ter uma casa, um carro.... Há aqueles que querem ter terra, uma nova pátria, aquele lugar onde poderão deixar para trás um histórico sofrido e fincar novas raízes no solo para assim sentirem-se seguros, vivos. “Lutamos” pela paz, queremos a igualdade para todos, outros sonham pelo fim da guerra, que hoje possam fechar os olhos  e dormir com a certeza que os abrirão amanhã, igual a todo mundo.

         O que nos faz feliz? O que nos deixa alegre? Um pai, uma mãe, estarão alegres assistindo as primeiras colheradas do seu filho ao errar o caminho da boca, serão felizes sabendo que ele tirou uma boa nota na escola ou entrou para faculdade e terá um grande futuro pelo frente. Para uma mãe o que a deixará alegre também é ver que sua criança não dormirá com fome, o que a tornará feliz é ver seu filho entrando pela porta, depois de ouvir sirenes e tiros rasgando a noite, assim ele ainda terá um amanhã.

         Quando criança eu passava em frente às escolas e torcia pelo dia em que finalmente entraria ali. Na adolescência experimentava as novas sensações, tomava minhas primeiras decisões importantes e começa a deixar minhas primeiras marcas no chão. Agora que sou “adulto” já escrevi meu futuro em um roteiro digno de um Oscar. Sou grato à vida pelas experiências que me trouxeram até aqui, mas muito me angustia assistir a tantos que não passarão por essa travessia de descobertas. São muitos que sucumbem antes do primeiro lápis, nunca sentiram o arrepio da primeira paixão, os lábios de quem se ama, e pior, não terão nenhuma ideia de futuro porque no horizonte não veem mais as cores da vida.

         Se eu quiser sair de unhas vermelhas, vestir uma saia no lugar de uma calça ou pintar meu cabelo de azul, eu poderia, ganharia olhares de reprovação, talvez alguma violência gratuita, mas eu ainda poderia. Em alguns lugares essa minha saia ou unhas vermelhas poderia me custar a vida, aqui também. O cabelo, alguns meses de reclusão para “pensar” melhor minhas atitudes, já aqui muitos me excluiriam sem pensar em suas próprias atitudes.

         Ainda matamos pela sobrevivência. Odiamos por amor as nossas crenças. Somos de um único mundo, com intensidades diferentes sentimos os mesmos sentimentos, nascemos iguais, formamos um corpo semelhante e ninguém é imune a morte, mas pregamos a superioridade de um sobre o outro. O egoísmo nos impede de alcançar o coração próximo, fecha nossos olhos, nos bloqueando da visão da face daquele que poderia ser amigo....  mas nossa humanidade ainda nos permite abraçar com ternura e entender a dor daquele que está ao nosso lado. Estamos resistentes à unidade que nos liga, mas o abraço, as mãos, o olhar e o sorriso ainda podem nos salvar.