Os 10 anos de Cia de Teatro Vizinho Legal, por Andreza Rodrigues

Ok. Fechem os olhos. Dêem as mãos. Mão esquerda é a que dá e a direita recebe as mãos. Mantenham a roda formada. Silêncio. Respirem três vezes juntos.
Somente me escutem ok? Só eu falo aqui. Muito bem.
Eu vou dizer algumas coisas e eu quero que vocês só absorvam e lembrem do tempo bom.
A gente acordava cedinho lembra?  Ansiosos pra saber o que o diretor (a) ia passar pra gente.
Roupa de guerra sempre. Claro que tinham alguns rebeldes que iam ao ensaio de calça jeans. O alongamento dolorido e divertido.
Passavam algumas semanas, chegava em casa e pensava "Qual personagem?" "Que música eu uso pra minha cena?" "Vou na casa de fulano pra ele me ajudar".
Diário de bordo. "Quem pode ficar com o diário hoje?" "EU EU EU".
Chegava em casa contando os dias pra chegar sábado de novo pra reencontrar os amigos e ver as cenas que eles tinham preparado, o coração acelerando...
"Muito bem beltrano. Ótima cena. Depois discutimos sobre ela ok galera? Quem é o próximo?...olha... Não demorem se não eu vou escolher..."
O diretor anotando tudo que estava acontecendo e você não podia ver o caderno dele.
E a hora do lanche?
Lembram? Era a parte mais engraçada? Sempre tem aquele "fominha" que pegava o lanche do coleguinha que faltava.
Batia aquele preguiça depois...
"Gente. O Leandro vem hoje a tarde pra ver como estamos com nosso espetáculo ok?"
Nossos corações aceleravam a mil.
"Ai meu Deus. Eu não decorei minha fala toda. É um bife. Socorro!"
"Eu te ajudo. Vamos no banheiro depois de comer e a gente estuda. Eu não decorei tudo também"
Dias depois. Sábado de novo. Exercício de pular corda. "Concentra galera. Concentra"
"1, 2, 3..." "Entra o próximo. Não deixem a corda sozinha. Não deixem buraco na cena, vai vai vai". "Tá muito disperso. Parou!."
Sempre teve aquele momento que o espetáculo não vingava de jeito nenhum...era tensão e eramos tao jovenzinhos. Parecia que tínhamos o mundo nas costas e mal sabíamos que iamos crescer e ficar adultos. Os problemas que tínhamos eram simples de serem resolvidos, mas a gente não tinha noção. Mas sempre achávamos a saída. Sempre teve aquele pessoa "positiva" do grupo. Que acreditava que tudo ia dar certo. E dava. Era lindo. Sempre foi.
"Gente. Um dia antes da estreia durmam bem, se hidratem e comam bem. Não quero ninguém cansado hein? Temos que estar cedinho no teatro, depois do lanche eu passo o cronograma de como vai ser o dia”.
Cada um levava o seu figurino pra casa. Cuidava com carinho. Ansiedade.
Sete da manhã todos dispostos.
"Espera. Ta faltando cicrano."
"Gente cadê meu figurino que deixei em cima da mesa?" "Ta aqui!" "Ai que susto"
"Cicrano chegou!."
O motorista com cara de tédio ao ver toda aquela pirralhada entrando na van.
Animação total! As meninas ja invadiam o camarim. Maquiagem.
Diretor louco. Sempre teve aquele que ajudava o diretor.
Afina luz. Som. Ensaio geral.
"Na luz. A luz tá ali. Entra na luz nessa hora. Não esquece, tá? Vou colocar uma fita”.
E o palco cheio de fitinha.
Maquiagem, figurino, sapato, adereço.
"Meu cabelo tá soltando". "Vou pegar um grampo. Calma".
Não segurem as lágrimas. Permaneçam de olhos fechados. Vamos respirar.
Três vezes. Isso. Muito bem. Vou continuar ok?
"Você chamou sua família?" "Chamei. Minha mãe vai vir com minha irmã”.
"Eu chamei minha professora de história. Ela adora a gente. Ela disse que vai trazer a família dela também”.
O diretor louco com toda aquela falação. Difícil nos dominar quando estamos ansiosos.
A reza!
"Um por todos e todos por um".
Jogar as mãos pro alto.
Coxia.
"Silêncio na coxia. A plateia está entrando".
E os deuses nos protegendo. Fazendo de nós, deuses e deusas do palco e da plateia. Radiantes, plenos, completos e convictos! Aquele calor dos focos de luz.
Enfileirados, mãos dadas, aplausos.
Sorrisos de orelha a orelha.
Abraça mãe, diretor, colegas, irmãos. Aquela explosão.
Buuum. Chega na van. Todos moídos e felizes.
Lembram. Vocês lembram ainda? Agora estamos mais velhos, os mais novos permanecem na roda, eles continuam, os deuses do teatro abençoando cada ano, cada geração, cada diretor, cada espetáculo!
E olha onde chegamos?
Dez anos de Cia!
Não foi fácil! Mas foi sempre bom.
Bom. Quando eu contar até três, abram os olhos e soltem uma palavra. Eu direi a minha junto!
1...2...3
SAUDADES!